sábado, 27 de fevereiro de 2010

A Vizinha do Crepúsculo das Cinco


Há certo tempo atrás, trabalhei em uma mansão próximo a um gigantesco castelo existente nos alpes montanhosos, servi a uma família da mais alta nobreza, sempre pensei jamais sair daquele lugar, pois eu adorava tudo aquilo. Todos os dias, quando o crepúsculo da tarde chegava, meus patrões saiam para um leve banho de sol, minha senhora não se agradava com o calor solar durante o dia, e meu senhor nunca iria contrariá-la.

Durante minha infância, criei-me brincando pelos corredores do castelo com uma outra criada, sempre fomos todos muito bem tratados por todos inclusive pela mãe de minha senhora, mas uma coisa sempre me intrigou a vizinha. Era uma mulher muito bonita que saia de casa todos os dias às cinco horas da tarde, sempre me questionei sobre os costumes daquela mulher em particular.

Certa manhã percebi uma movimentação estranha pela casa de nossa vizinha, uma vez que da sacada de meu quarto era bem visível a mansão próxima. Notei que ela não havia saído como de costume então, notei a sombra de um ser estranho dentro do quarto do segundo andar. Não tinha formas humanas, apenas um vulto de uma imensa capa, e uma cabeça que cobriu a sombra de mulher que ainda me era visível até instantes anteriores. Escondido atrás das cortinas de meus aposentos presenciei tal cena extremamente amedrontado, com o coração acelerado, a respiração ofegante e as mãos suadas, senti minha alma pular de meu corpo físico e se restabelecer novamente, senti como se um punhal estivesse me ferindo de morte.

Durante o tempo em que aparentemente me abstive de meus sentimentos carnais, senti como se meu ser tivesse desintegrado-se por inteiro de tal maneira que fosse até possível atravessar paredes sem o menor dos esforços que normalmente um ser carnal teria, meu ser abastecia-se de uma energia que não sei de onde se encaminhava para dentro de meu ser, a sensação era semelhante a de estar entre meio a um furacão ou a um vulcão em erupção, nunca, imagino eu , nenhum outro humano ter sentido tal força dentre seus órgãos que já não parecem tão vivos como antes de tal acontecimento.

Quando recobrei meus sentidos, busquei a sombra daquela que me atraiu tanta atenção em uma noite escura de lua nova, o silencio tomara conta da penumbra obscura da noite, o único barulho que conseguira eu escutar foi o de um grito feminino, que como uma afiada navalha cortou o silencio, um grito tão estridente que causou-me arrepios, meus sentidos sumiram novamente, acordei o dia seguinte com minha senhora a meus pés, chorando minha morte.

Percebi ao despertar, que não mais habitava meu corpo, mas sim flutuava sobre ele, uma força fez com que eu despencasse de onde estava e caísse novamente em meu estado humano, acordando meu corpo, minha senhora teve de tamanho espanto um desmaio repentino. Tive pressa em socorrê-la, todos se assustaram tamanha minha agilidade em apanhá-la entes de encostar-se ao carpe rubro do chão petrificado do castelo.

Quando todos os sustos haviam sido tomados e as faces desempalideceram-se, sai sorrateiramente em busca daquela que trouxera tamanho devaneio durante uma simples noite que mudara para sempre meu destino. Ao aproximar-me do portão, observei que este se abrira sozinho sem ajuda alguma, os cães como se de propósito, acompanharam-me até a antiga porta de madeira bruta trabalhada em desenhos de cenas que jamais havia eu as observado. Entrei na mansão, dirigi-me ao quarto do qual as sombras puderam ser vistas por mim da sacada, era um belíssimo quarto todo decorado em rubro e preto, as vidraças vermelhas davam um ar sombrio ao lugar, meu coração parou novamente, mas dessa vez não tive nenhuma sensação, apenas a de estar mais leve e frio que de costume, mas para mim aquilo não era nada incomum, desde menino sempre fui mais pálido e em partes frio que os outros com quem convivi. Percebi sobre a cama, um corpo em muito me era familiar, não sei se de sonhos ou realidade, era uma mulher, cabelos presos, negros como a noite anterior, vestida de preto e vermelho, seus trajes davam um ar de leve paz no recinto que mais parecia-me uma câmara mortuária, parei para observá-la melhor, um detalhe me chamou a atenção, havia um medalhão em seu pescoço que nunca eu vira antes, este com um detalhe central de rubi, lembrei-me de minha infância no castelo, eu havia sido encontrado nos portões com um medalhão, passei as mãos em meu pescoço e percebi um cicatriz que antes não havia, retirei o meu cordão e comparei os medalhões, ambos idênticos, apenas a gema era diferente em minhas mãos havia uma jóia de centro turquesa, um azul tão distinto dos que conhecera antes.

Distrai-me comparando detalhes e tentando entender o que se passara na noite anterior e nem me dei conta de que o crepúsculo já se aproximava. A mulher que repousava a meu lado abriu os olhos e sentou-se rapidamente, tão rápido que pareceu voar, dessa vez não me assustei, olhei em sua face, percebi traços meus em seu ser. Ela sem mover os lábios, como por telepatia convidou-me para um passeio ao pôr-do-sol, sem temer nada a acompanhei até o jardim, entramos em um labirinto, que como se sempre tivesse feito tal trajeto, andei entre seus corredores, ela então disse com uma voz tênue:

- Você deve estar se perguntando o que acontecera na noite passada? Tu não fazes noção do que te atingira, não é mesmo?

Um breve silencio pousou no local como se saboreássemos o luar, respondi então a ela, que minha única pretensão era a de saber o que havia acontecido pois sempre observei que fazia passeios diários a partir das cinco horas da tarde, e eu sabia disso, pois desde jovem vinha a observando com muito cuidado e atenção. Através do olhar que ela lançou sobre mim, logo percebi que não se tratava apenas de uma obsessão minha, mas havia outra coisa que não antes pudera ser dita.

- Meu querido, a sombra que vistes em minha janela, era a de um parente muito próximo seu, que viera reivindicar sua presença em um conselho de tua família! Aquele era teu pai que há muito te deixara sobre meus cuidados sendo que tua mãe morreu para te defender. Sou apenas tua ama e criada. Tudo o que tenho pertence a ti.

Senti-me confuso, sem chão sob meus pés. O mundo parecia desabar sobre minha cabeça. Pai? Que pai perguntava eu a mim mesmo. Eu havia sido criado como um órfão, um simples serviçal, agora sou dono de uma mansão. Não tinha noção de onde poderia ter surgido tal historia.

- Preste atenção, você é filho de um ser subumano, com poderes acima de sua compreensão, seu pai apaixonou-se por uma moça que vivia no castelo que tu foste criado, sua mãe é sua antiga senhora, e quem agora cuida de ti é tua irmã. Você já deve ter notado o fato de ser sensível a luz solar, seu reflexo em espelhos, e uma leve alergia a uma iguaria culinária, o alho? Seu pai é um vampiro, mas sua mãe é mortal, o que te protegeu de certos perigos, que a nós vampiros são de causa mortis.

Eu me perguntava por que não me quiseram, não cuidaram de mim, não conseguia compreender o porquê de tais acontecimentos em minha vida. Ela como se lesse meus pensamentos respondia-me:

- Você nasceu em uma era na qual a caça a vampiros e outros seres sobrenaturais estava no auge das atividades mais nobres da burguesia. Para manter-te vivo e a salvo de tais perigos, seus pais entregaram você a mim, e eu estive a te vigiar durante esses anos todos, mas agora, eles reivindicam você, querem que você se torne um deles por inteiro, eu neguei-me a te entregar por isso tens até meia noite para decidir o que queres fazer de tua vida: ser um criado ou o mais poderoso vampiro de sua linhagem milenar? Sua vida esta em suas mãos, e juntamente com ela a minha, peço que decida por sua felicidade.

Aquelas palavras soaram profundamente em mim, acordando sentidos que jamais havia eu percebido a existência destes. Após tantas revelações, o meu tempo passara, ela alertou-me da chegada de meu pai. A sensação de ver meu pai, frente a frente, animou-me a prosseguir uma luta pelo bem de ambas as comunidades: humanos e subumanos.

Levantei-me disse:

- Pai, vou contigo, quero aprender e ensinar a viver em paz com estes seres frágeis que nos rodeiam, quero que aprendas que não são apenas alimento, são também vidas como eu e você, e como minha mãe!


A partir dessa noite ninguém jamais nos viu durante o dia ou noite, nos tornamos invisíveis, sombras na noite a observar os humanos e seus atos. Mas minha ama continuou a sair todas as tardes às cinco horas do crepúsculo noturno.


by SilehC