domingo, 16 de maio de 2010

Junqueira Freire

Seria Junqueira Freire um atormentado?

Creio que não, ele talvez apenas visse a morte como algo normal e não tão assustador como a maioria das pessoas, em seu poema "Morte" ele transmite uma ideia diferente da decomposição de um cadáver, não apenas um corpo que anteriormente era a morada de uma alma e agora inabitado, mas uma matéria orgânica que dá vida a novos seres através de sua decomposição.

Conheci esse autor por acaso quando fazia um trabalho da faculdade, como sou fã de Edgar Allan Poe acabei por me apaixonar também por Freire, suas poesias são de um gosto um tanto estranho, mas se levarmos em conta a cultura gótica dos dias atuais ele se identifica. Segue o poema Morte! Boa leitura e boa sorte!
Morte

Pensamento gentil de paz eterna,
Amiga morte, vem. Tu és o termo
De dous fantasmas que a exigência formam,
- Dessa alma vã e desse corpo enfermo.

Pensamento gentil de paz eterna,
Amiga morte, vem. Tu és o nada,
Tu és a ausência das moções da vida,
Do prazer que nos custa a dor passada.

Pensamento gentil de paz eterna,
Amiga morte, vem. Tu és apenas
A visão mais real das que nos cercam,
Que nos extingues as visões terrenas.

Nunca temi tua destra,
Não sou o vulgo profano;
Nunca pensei que teu braço
Brande um punhal sobr'- humano.

Nunca julguei-te em meus sonhos
Um esqueleto mirrado;
Nunca dei-te, pra voares,
Terrível ginete alado.

Nunca te dei uma fouce
Dura, fina e recurvada;
Nunca chamei-te inimiga,
Ímpia, cruel, ou culpada.

Amei-te sempre: — e pertencer-te quero
Para sempre também, amiga morte.
Quero o chão, quero a terra, — esse elemento
Que não se sente dos vaivéns da sorte.

Para tua hecatombe de um segundo
Não falta alguém? — Preencha-a comigo:
Leva-me à região da paz horrenda,
Leva-me ao nada, leva-me contigo.

Miríadas de vermes lá me esperam
Para nascer de meu fermento ainda,
Para nutrir-se e meu suco impuro,
Talvez me espera uma plantinha linda.

Vermes que sobre podridões refervem,
Plantinha que a raiz meus ossos ferra,
Em vós minha alma e sentimento e corpo
Irão em partes agregar-se à terra.

E depois nada mais. Já não há tempo,
Nem vida, nem sentir, nem dor, nem gosto.
Agora o nada, — esse real tão belo
Só nas terrenas vísceras deposto.

Facho que a morte ao luminar apaga,
Foi essa alma fatal que nos aterra.
Consciência, razão, que nos afligem,
Deram em nada ao baquear em terra.

Única idéia mais real dos homens,
Morte feliz — eu quero-te comigo,
Leva-me ao nada, leva-me contigo.
Também desta vida à campa
Não transporto uma saudade.

Cerro meus olhos contente
Sem um ai de ansiedade.
E como autômato infante
Que inda não sabe mentir,
Ao pé da morte querida
Hei de insensato sorrir.

Por minha face sinistra
Meu pranto não correrá.
Em meus olhos moribundos
Terrores ninguém lerá
Não achei na terra amores
Que merecessem os meus.
Não tenho um ente no mundo
A quem diga o meu — adeus.
Não posso da vida à campa
Transportar uma saudade.
Cerro meus olhos contente
Sem um ai de ansiedade.
Por isso, ó morte, eu amo-te e não temo:
Por isso, ó morte, eu quero-te comigo.
Leva-me à região da paz horrenda,
Leva-me ao nada, leva-me contigo.

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